Proteção dos Dados Sensíveis de Crianças e Adolescentes: Estratégias para um Ambiente Digital Seguro

Proteção de dados pessoais

A proteção dos dados pessoais sensíveis de crianças e adolescentes é um tema de grande relevância no atual cenário digital. À medida que a interação online se intensifica, com a internet oferecendo diversas oportunidades educacionais e recreativas, surge a necessidade de garantirmos um ambiente seguro para os menores. A exposição a riscos como cyberbullying, publicidade infantil, aliciamento sexual e vazamento de informações pessoais destaca a importância de medidas rigorosas de proteção. A coleta de dados hoje ocorre cada vez mais cedo e de formas profundamente invasivas. Emoções, preferências, comportamentos e, até mesmo, nossos pensamentos[1] vêm sendo rastreados e analisados.

A Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/18 – LGPD) brasileira é um marco nesse contexto, oferecendo diretrizes claras sobre o tratamento de dados pessoais sensíveis[2], que incluem informações pessoais relacionadas, por exemplo, à origem racial, saúde, convicção religiosa e dados biométricos de uma pessoa natural. A legislação visa garantir que esses dados sejam tratados com o máximo cuidado, protegendo os direitos e liberdades fundamentais dos indivíduos.

O uso crescente de dispositivos conectados, como smartphones, e a presença massiva de menores em plataformas digitais, como YouTube, Instagram e TikTok, requerem uma análise aprofundada dos instrumentos de proteção disponíveis.[3] A educação digital, tanto para os menores quanto para seus responsáveis, é essencial para promover um uso consciente e seguro da tecnologia. A mediação parental deve ser equilibrada, respeitando a autonomia dos adolescentes enquanto se garante sua segurança.

A LGPD estabelece a necessidade de um consentimento específico e informado para o tratamento de dados de crianças. No entanto, a referida lei e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados brasileira[4] também permitem a utilização de outras bases legais para tanto (dispostas nos artigos 7º e 11), desde que prevaleça o melhor interesse da criança e do adolescente no caso concreto (artigo 14 da LGPD). Isso implica uma interpretação cuidadosa das normas para garantir a proteção integral dos menores.

A complexidade do ambiente digital, com a Internet das Coisas e brinquedos conectados, apresenta desafios adicionais. A coleta de dados por esses dispositivos pode expor menores a riscos significativos, exigindo uma abordagem cautelosa e responsável no design e uso dessas tecnologias. O princípio da privacidade por design deve nortear o desenvolvimento das tecnologias, garantindo que a proteção de dados seja incorporada desde o início, desde a concepção, de todo projeto.

Relatórios de impacto à proteção de dados (RIPD) são ferramentas essenciais para mitigar riscos e assegurar a conformidade legal. Esses relatórios devem avaliar o impacto potencial do tratamento de dados e propor medidas para proteger os direitos dos titulares, especialmente em casos envolvendo dados sensíveis de crianças e adolescentes.

O comprometimento de todas as partes interessadas – famílias, educadores, plataformas digitais, autoridades reguladoras e legisladores – é crucial para construir um ambiente digital seguro. A promoção de políticas públicas inclusivas e a adoção de boas práticas de segurança são passos fundamentais para proteger os dados pessoais dos menores.

A era digital oferece inúmeras oportunidades, mas também traz responsabilidades significativas. A proteção dos dados sensíveis de crianças e adolescentes deve ser uma prioridade constante, com esforços contínuos para educar e capacitar todos os envolvidos. Somente assim será possível garantir que os benefícios do mundo digital sejam aproveitados de maneira segura e responsável, assegurando o desenvolvimento pleno e saudável das futuras gerações.

 

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[1] Na I Jornada de Direitos Humanos e Fundamentais da Justiça Federal da 2ª Região, ocorrida em abril de 2024, foram aprovados dois enunciados relativos ao tema: “Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, moral e psíquica, estando nela incluídos os direitos à privacidade mental e à identidade pessoal, o direito a tomar decisões livremente e a proteção contra discriminações e vieses algorítmicos.” “A tutela da pessoa humana no ambiente digital abrange os neurodireitos, como corolário da proteção dos Direitos Humanos através dos seus quatro eixos fundamentais: identidade pessoal, integridade mental, privacidade mental e liberdade cognitiva”.

[2] TEFFÉ, Chiara Spadaccini de. Dados pessoais sensíveis: qualificação, tratamento e boas práticas. São Paulo: Foco, 2022

[3] Segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2023, 95% da população de 9 a 17 anos é usuária de Internet no país, o que representa 25 milhões de pessoas. O celular foi apontado como um dispositivo de acesso para 97% dos usuários, sendo o único meio de conexão à rede para 20% dos entrevistados. Outro dado interessante destaca que 88% da população brasileira de 9 a 17 anos disse manter perfis em plataformas digitais, sendo que a proporção foi de 99% entre sujeitos de 15 e 17 anos. Conforme o levantamento, 88% das crianças e adolescentes ouvidos afirmaram ter acesso à plataforma de vídeos Youtube. Já 78% disseram ter WhatsApp, 66% ter Instagram, 63% TikTok e 41% Facebook. (10ª edição da pesquisa TIC Kids Online Brasil 2023. Disponível em: https://cetic.br/pt/noticia/tic-kids-online-brasil-2023-criancas-estao-se-conectando-a-internet-mais-cedo-no-pais/  Acesso em: 19.05.24)

[4] Nesse sentido, inclusive, afirma enunciado publicado em maio de 2023 pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD): “O tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes poderá ser realizado com base nas hipóteses legais previstas no art. 7º ou no art. 11 da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), desde que observado e prevalecente o seu melhor interesse, a ser avaliado no caso concreto, nos termos do art. 14 da Lei.” Igualmente, o enunciado n. 684, aprovado na IX Jornada de Direito Civil do CJF, em maio de 2022, destacou: “O art. 14 da Lei n. 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD) não exclui a aplicação das demais bases legais, se cabíveis, observado o melhor interesse da criança.”

 

Em tempo: A Autoridade Nacional de Proteção de Dados abriu no dia 17 de junho de 2024 Tomada de Subsídios para o Projeto Regulatório sobre o Tratamento de Dados de Crianças e Adolescentes. O objetivo é embasar a análise e a proposição de projeto regulatório a respeito desse grupo de titulares. A consulta ficará acessível por 30 dias na Plataforma Participa+Brasil e é aberta a toda a sociedade. Link: https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/anpd-abre-tomada-de-subsidios-para-projeto-regulatorio-sobre-criancas-e-adolescentes

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